domingo, 21 de agosto de 2011

Verdade ou consequência?



I'm not a person person. Durante anos achei que sim: que gostava de pessoas. Que gostava mais de pessoas que de animais. E, já para o fim, percebi que quanto mais conhecia os outros mais gostava de mim. Criei um grupo no facebook com esta frase e juntaram-se 2012 pessoas. 2012 é um belo número. Tenderá a decrescer, estou certa. 
Mas voltando ao fim- ao passado pintado de fresco- fartei-me de pessoas. O que é chato tendo em conta que a matéria-prima da minha profissão são esta espécime de seres vivos. Irei à falência em breve por saturação da dita matéria-prima. Não perco o sono com essa possibilidade.
As pessoas falam muito. Eu, inclusive. Falo demais e quando quero parar de me ouvir parece que não tenho qualquer controlo sobre a matéria e falo até me doer a cabeça, de tanto me ouvir. De me ouvir por dentro e por fora. Sim, por dentro. Se tapar os ouvidos e continuar a falar, as palavras surdas fazem-se ouvir à força como se debaixo de uma água de pensamentos altos e ensurdecedores. Uma voz interior maior. 
A verdade é que não é pelo facto das pessoas falarem muito que me aborrecem. É, essencialmente, por não dizerem nada de jeito. E por acreditarem que sim.  Percebi que a realidade não existe, existem meras especulações. 
A minha livraria preferida fechou. O Paulo logo dissertou horas a fio sobre as causas de encerramento da dita: que os donos eram dois burguesesinhos que trabalhavam para aquecer, que se endividaram porque quiseram ter uma livraria numa zona chique da cidade, que eram especialistas das palavras mas péssimos no que dizia respeito aos números. Quando inquiri o Paulo sobre a fonte daquelas afirmações, não me soube precisar. "Ouviu dizer por y, x e z que conhece o primo do cunhado da nora da empregada da ex-dona da livraria" e, entretanto, a verdade - que é o que é e não o que se vai ouvindo dizer aqui e ali- perdeu-se algures. E o mais grave é que isso não interessa nada para ninguém. As meias-verdades chegam-nos. Somos do século em que interessam mais as opiniões que os factos, as deduções/intuições/especulações que as evidências. 
Talvez porque as evidências são tramadas de se encontrar: dão trabalho que se farta. Talvez por isso as pessoas continuem a falar do que não sabem, sabendo que com isso matam as verdades. Vive-se em quintais de verdades plantadas por uns, regadas por outros quando a verdade é uma erva-daninha. Nasce por geração espontânea e é o que é: a verdade selvagem que nasce ao pontapé em terrenos baldios.
Lembro-me dele. O Gustavo gosta de dizer algumas verdades. As suas verdades. Diz-se directo. Mas foge quando sente que é hora de as ouvir. Falar dá jeito, ocupa espaços de silêncio, distrai. Ouvir os outros não tem graça, podemos não ter tempo de nos defender, ainda que na maioria das vezes não haja defesa possível porque- lá está- a verdade dos outros nem sempre coincide com a nossa. Passa a ser uma mentira, portanto.
Aborrecem-me as suas justificações, aborrece-me que ele precise tanto de se ouvir e precise que eu sirva de espectadora naquele monólogo monótono e entediante. Fartei-me dele. Como tantas outras vezes me fartei de pessoas que acreditam que a verdade delas é a verdade universal.
Não tenho pretensões de acertar nos atalhos da vida e nos temas de conversa discutidos nas mesas dos cafés. Gostava só que me apresentassem factos reais e não interpretações. Pode não parecer mas sou uma mulher de ciências.
Somos do século da supremacia das opiniões e das verdades absolutas instantâneas. Instantâneas? Nem de mousses, quanto mais verdades.
Neste jogo, prefiro sempre a consequência.

2 comentários:

Unknown disse...

"interessam mais as opiniões que os factos"... e toda a gente tem uma opinião(certeza) sobre tudo, até irrita. Parece que "não sei" é um palavrão.
Eu não sei se sou uma person person, mas o mais provável é que não seja, pelo menos na maioria dos dias. Mas outras alturas há em que gosto de ouvir, bem mais do falar.

mfc disse...

As verdades dos outros só nos interessam se nos disserem respeito!