segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Giz

Durante anos gravava em mim o nome das pessoas de que gostava, como quem esculpe na pedra.Talhava de forma quase irreversível as pessoas em mim com a certeza de quem se tatua sem medo de arrependimentos. Com a certeza de quem acha que as pessoas quando chegam ao terminal das nossas vidas só trazem bilhete de vinda e não quererão comprar volta.
O tempo passou e percebi que há pessoas que vêm mas que voltam para o lugar de onde vieram, fora das nossas vidas, noutro Mundo longe do nosso.
E que depois custava horrores lixar os nomes das pessoas do nosso coração para as apagar. Doía-me os braços e, no fim, o coração ficava gasto. Limpo mas gasto.
Desde então decidi que não há nomes definitivos gravados em mim. Pinto-os a cal e todos os Verões sento-me à soleira da minha vida, contemplando cada pessoa com a preocupação de quem quer renovar as pinturas que valem a pena.
No terminal onde me encontrao chegam e partem viajantes. Alguns chegam, contam-me histórias dos sítios de onde vêm. Outros partem e levam histórias de mim. Outros ficam, e fazem a história cá dentro, comigo. E vão permanecendo em mim, sem ser preciso cravar o escopro na pedra. 
Comprei, enfim, paus de giz.

domingo, 28 de agosto de 2011

O dia mais feliz da nossa a vida a dois

Ligaste-me para o trabalho e perguntaste se poderia sair mais cedo. Querias levar-me até ao Alentejo para assistir à Aurora Bureal.
Quando me ri e te questionei sobre a impossibilidade de assistirmos à Aurora Bureal no Alentejo pediste-me que não intelectualizasse. E que me permitisse ser levada sem apregoar movimentos sufragistas de miúda mimada. Ri-me novamente e, do outro lado da linha, fizeste "o" silêncio que eu reconheço por ser diferente de todos os outros silêncios. O silêncio de quem se ri de esguelha. De quem se ri com os olhos, como só tu o consegues fazer.
Nesse dia eu não consegui sair mais cedo mas tu apanhaste-me à porta do prédio velho da cidade. Não fomos até ao Alentejo mas eu sabia que trazias a Aurora Bureal embrulhada no olhar, pronta para me ofereceres, enfim.
Era um fim de noite de Julho dum dia de semana banal. "O que conta é a intenção". E, intencionalmente, vivi a magia da Aurora Bureal contigo. Para ti.

sábado, 27 de agosto de 2011

Alma morta, alma morta

Houve dias em que me apeteceu fazer com o meu coração o mesmo que fazia com as mãos nos dias frios dos Invernos da minha meninice. Sentar-me em cima delas para as aquecer até que, ao fim de algum tempo, o calor deixava de se sentir e as mãos adormeciam.
Depois, divertida, brincava à "mão morta" e regozijava-me com a falta de sensibilidade e de controlo dos movimentos da minha mão. (Mão na terceira pessoa e eu narradora da minha mão). 
Houve dias em que me apeteceu colocar toda a carga do meu corpo sobre a minha alma para, com o pretexto de a aquecer, adormecê-la e poder brincar à "alma morta". E depois ir bater à tua porta.

domingo, 21 de agosto de 2011

Verdade ou consequência?



I'm not a person person. Durante anos achei que sim: que gostava de pessoas. Que gostava mais de pessoas que de animais. E, já para o fim, percebi que quanto mais conhecia os outros mais gostava de mim. Criei um grupo no facebook com esta frase e juntaram-se 2012 pessoas. 2012 é um belo número. Tenderá a decrescer, estou certa. 
Mas voltando ao fim- ao passado pintado de fresco- fartei-me de pessoas. O que é chato tendo em conta que a matéria-prima da minha profissão são esta espécime de seres vivos. Irei à falência em breve por saturação da dita matéria-prima. Não perco o sono com essa possibilidade.
As pessoas falam muito. Eu, inclusive. Falo demais e quando quero parar de me ouvir parece que não tenho qualquer controlo sobre a matéria e falo até me doer a cabeça, de tanto me ouvir. De me ouvir por dentro e por fora. Sim, por dentro. Se tapar os ouvidos e continuar a falar, as palavras surdas fazem-se ouvir à força como se debaixo de uma água de pensamentos altos e ensurdecedores. Uma voz interior maior. 
A verdade é que não é pelo facto das pessoas falarem muito que me aborrecem. É, essencialmente, por não dizerem nada de jeito. E por acreditarem que sim.  Percebi que a realidade não existe, existem meras especulações. 
A minha livraria preferida fechou. O Paulo logo dissertou horas a fio sobre as causas de encerramento da dita: que os donos eram dois burguesesinhos que trabalhavam para aquecer, que se endividaram porque quiseram ter uma livraria numa zona chique da cidade, que eram especialistas das palavras mas péssimos no que dizia respeito aos números. Quando inquiri o Paulo sobre a fonte daquelas afirmações, não me soube precisar. "Ouviu dizer por y, x e z que conhece o primo do cunhado da nora da empregada da ex-dona da livraria" e, entretanto, a verdade - que é o que é e não o que se vai ouvindo dizer aqui e ali- perdeu-se algures. E o mais grave é que isso não interessa nada para ninguém. As meias-verdades chegam-nos. Somos do século em que interessam mais as opiniões que os factos, as deduções/intuições/especulações que as evidências. 
Talvez porque as evidências são tramadas de se encontrar: dão trabalho que se farta. Talvez por isso as pessoas continuem a falar do que não sabem, sabendo que com isso matam as verdades. Vive-se em quintais de verdades plantadas por uns, regadas por outros quando a verdade é uma erva-daninha. Nasce por geração espontânea e é o que é: a verdade selvagem que nasce ao pontapé em terrenos baldios.
Lembro-me dele. O Gustavo gosta de dizer algumas verdades. As suas verdades. Diz-se directo. Mas foge quando sente que é hora de as ouvir. Falar dá jeito, ocupa espaços de silêncio, distrai. Ouvir os outros não tem graça, podemos não ter tempo de nos defender, ainda que na maioria das vezes não haja defesa possível porque- lá está- a verdade dos outros nem sempre coincide com a nossa. Passa a ser uma mentira, portanto.
Aborrecem-me as suas justificações, aborrece-me que ele precise tanto de se ouvir e precise que eu sirva de espectadora naquele monólogo monótono e entediante. Fartei-me dele. Como tantas outras vezes me fartei de pessoas que acreditam que a verdade delas é a verdade universal.
Não tenho pretensões de acertar nos atalhos da vida e nos temas de conversa discutidos nas mesas dos cafés. Gostava só que me apresentassem factos reais e não interpretações. Pode não parecer mas sou uma mulher de ciências.
Somos do século da supremacia das opiniões e das verdades absolutas instantâneas. Instantâneas? Nem de mousses, quanto mais verdades.
Neste jogo, prefiro sempre a consequência.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Beijo

A tua língua é macia como uma concha polida esquecida na areia. Tocas-me nos lábios como o sal toca no mar, ao de leve, deixando um sabor molhado precisamente no sulco central do meu lábio inferior.
De mansinho, como uma criança que se abeira do mar para molhar os pés primeiro, a tua língua entra na minha boca.
E a minha, como o mar que ondula mais devagar- só dessa vez porque o mar reconhece as crianças que aprendem ooceano- recebe-te com um abraço oscular.
Depois os corações batem mais depressa e de repente- não mais que de repente- sentimos um tsunami dentro de nós. Lábios, língua, ar, saliva, pulsação, pálpebras cerradas. E um pouco mais de sol. Ou sal. 
Beijo (te).

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Líbido linguística

Excitam-me os homens bonitos mas a perfeição estética enjoa-me.
Deliro com os homens com uma voz penetrante mas há Invernos que os deixam afónicos.
Não resisto a homens que saibam beijar com os lábios de forma penetrante mas há sempre dias de beijos fugidios.
Fantasio com homens com sentido de humor acutilante mas há alturas em que as minhas hormonas estão mais sensíveis e não toleram algumas piadas.
No entanto, a minha libido só se declina humildemente perante homens que saibam escrever bem.