domingo, 8 de maio de 2011

Ero(tic)- Ero(tac)

Hoje seria o dia em que me enviarias uma sms a perguntar-me o que trago vestido e me pedirias que eu descesse o elevador lento do prédio, a tempo do semáforo não ficar verde e conseguir entrar no teu carro no instante momento em que me passasses à porta.
Seria o dia em que ficaríamos em silêncio até chegarmos à portagem de um motel: via verde na entrada, palavras silenciadas, apenas o som da tua mão no meu joelho esquerdo e a minha respiração mais alta que o que deveria, a denunciar a excitação que seria dos dois.
Depois levar-me-ias pela mão, tu à frente, e nas escadas de acesso à suite beijar-me-ias precisamente a curva do pescoço, uma pequena trinca no lóbulo da orelha e eu não oferecia resistência, porque este não seria um jogo para se ganhar. Depois, eu encontra-te-ia à parede, encostava o meu peito ao teu, o meu sexo ao teu e beijava-te os lábios como quem faz sexo oral.
Correríamos para a cama demasiado cliché para repararmos nela e estaria escuro lá dentro, apesar do fim de tarde ainda luminoso lá fora. Despia-te de conceitos, preconceitos e posconceitos e a única coisa que restariam seria lençóis de cetim desfeitos e húmidos, o teu arpão gasto do sal dos meus lábios, as tuas mãos cheias das ondas do meu corpo.
E eu seria uma sereia na mão de um pescador de fantasias e os meus cabelos chicotar-te-iam o peito, enquanto me navegavas à ré. Só depois de muito marear, depois de me alimentar de ti- rémora que sou-, depois de te alimentar, boiaríamos, enfim, exaustos nas palavras que poderiam ter sido ditas mas que preferimos amordaçar. Porque só o silêncio conserva segredos salgados. Segredos de quem navega com a audácia de não querer ancorar.
O que esperas? Não ouves? Tic-tac?

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Verdade e consequência

A verdade é que ela não lidava bem com a rejeição. Não se tratou de a expulsar,  deixei-a onde ela queria estar e preferi levantar-me e vir-me embora. Ainda que vir para longe dela fosse uma incógnita, mas a ideia de a ter longe reconfortava-me. 
Sempre me dei mal com gente demasiado intensa. Gosto do meio-termo, do equilíbrio, de quem não ama em demasia nem odeia em demasia. Gosto de quem sabe gostar. Saber gostar é um dom.
Também os outros- soube depois- a deixavam estar mas ela não queria ser deixada estar. Deixavam-na sossegada, num ambiente contentor onde ela poderia continuar. Não era pena, não era maldade, era apenas o reflexo da saturação, era só um adeus. Dizer adeus requer coragem. Aceitar um adeus requer dignidade.
Mas ela não queria ficar longe no ambiente contentor e ia atrás, expunha-se ao frio e às intempéries, sujeitava-se ao ridículo e à pena, apenas porque não aguentava a ideia da rejeição.
Enquanto ela perseguia quem dela fugia perdia o quentinho do ambiente contentor. A possibilidade de acolher novas pessoas, de investir energia nelas, e cansava-se. Cansava-se muito.
E não percebia que o conjunto de pessoas que dela fugia se juntavam, inicialmente, com o pretexto único de fugir dela. Mas que, entretanto, criavam laços.
Ao fim do dia, findas as perseguições (ela cansava-se) juntavam-se num outro ambiente contentor, onde ela não conseguia entrar e ela já não era o tema de conversa. Apenas uma sombra incómoda. Um insecto aborrecido.
Ela continuará a correr, a perseguir quem lhe disse adeus só porque quis jogar à verdade ou consequência. Mas não estava pronta para a verdade e a consequência. Nem para jogar. Porque saber perder não é para todos.
E nesse sítio, enfim, onde estou eu (estás tu) as pessoas gostam moderadamente. E gostam longitudinalmente. E persistem no tempo e no espaço sem medo de rejeições. Porque gostar de forma equilibrada é um dom.